Que tudo fosse mais fácil na vida da gente
quisera eu,
quando em vez, só pra variar. Coisas
como o fazer, o gozar, o sofrer,
o desejar. Sonhos pequenos não me bastam, porque me apequenam. Chega demover meu desejo apenas no limite
estreito do possível.
Nem sempre o mundo é uma
coisa e eu outra. No entanto, faço questão de permanecer uno e,
em certas situações que só a mim dizem respeito,
indevassável dentro de mim mesmo,
apesar das bandeiras das linguagens do corpo, inclusive o discurso.
Súbito, me aparecem asas e voo, de preferencia
sobre abismos. Há em mim a fascinante vertigem dos precipícios. Dirão de mim, e pouco me importa, que não passo de um
hiperbólico
visionário ou um onirómano sem
remissão. E daí? Sou eu quem pago o preço.
Pouco me interessam esses desertores da
fantasia, que só acreditam no toma lá
da cá, de todo dia. Homens ocos que se assustam
com seu próprio eco.
Careço de algo mais que o prosaico
feijão-com-arroz cotidiano, de viver encarcerado entre o relógio de ponto e o
pijama de listras. Não me satisfazem apenas casa, comida, roupa lavada, familia,
trabalho, dinheiro no banco.
Quero
algo além disso que não se¡ bem o que seja. Felicidade será? Essa entidade
definida como paz de espírito? Significará a domesticação dos sentidos? Se for
isso, tô fora,meu chapa.
Meu caminho não se orienta para deuses nem
demônios.
Minha bússola sou eu, que me guio,
me perco, me acho descendo aos
meus infernos ou ascendendo aos meus paraísos,
embora artificiais.
Sou chuva e sou planta, trigo e moinho, faca e
flor, aquele que age e o que observa.
Assim me divido e colo meus pedaços feito
espelho e imagem.
Estar e ser, eis a questão. Estou e sou, cada
vez mais louco, mais lúcido, apenas isso.
Digo e repito, até acreditar que eu sou eu
sem qualquer dúvida e pronto. Manjo disso.
50.01.2002
MOÇA com
FLOR NA BOCA _ CRÔNICAS ESCOLHIDAS