sábado, 30 de junho de 2012

SE ATROPELAM



As pessoas se atropelam

Em plena avenida central

Ou lateral ou desigual

Nos becos e tortuosas ruas.

Se atropelam e não vêem

Em si o sangue

Vermelho, vivo e quente

Do outro, em sua pele, roupa e vida.

Atropelam os pensamentos

Se esmigalham pelas salas

E quartos e cozinhas e corredores

E não há réstia de um só fiapo

Da molécula do que pensa o outro, em si.

Atropelam os sentimentos

E não importa, se se sente

Se se vive, se se mente

Para si e para os outros.

Atropelam e atropelam as palavras

Que levadas são pelo vento

Para os desertos onde vivem sem respostas.

 
IRENE MADEIRO

quarta-feira, 27 de junho de 2012

SENSÍVEL


Sensível,
o rosto das rosas

mostra a beleza e o perfume

em poesias e prosas,

que voam no vento.

Sensível,

sensível

...vento.

 
IRENE MADEIRO

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O POMBO


Pousa em cima da torre

um pombo,

pondo-se a coçar-se e arrulhar.

Em cima da torre imensa

da imensa igreja,

um pombo, o pombo

cinza a arrulhar e a coçar-se.

Imensa imagem

do minúsculo pombo

da cor da igreja,

na torre, em cima de tudo.

Imensa imagem

de calma e paz

no meio do tumulto.

Em cima, o céu azul,

perdido no infinito,

o pombo cinza

na torre da imensa igreja

a arrulhar.

 
IRENE MADEIRO

domingo, 24 de junho de 2012

SEXTA-FEIRA


Parece que foi ontem

aquela última sexta-feira.

Mulheres carregando no rosto

a dor e a pobreza

e nas costas,

um saco de esmolas.

Parece que foi ontem

aquela vela acesa num canto,

um canto que vem de um bar,

o fim de semana bem em frente.

Tão rápido, que me assustei.

O que incomoda mais?

A pobreza,

a vela acesa

num canto,

o canto

ou a certeza

de que não foi ontem

aquela sexta-feira,

de que foi o tempo

tão rápido, que me assustei?

 
IRENE MADEIRO

sábado, 23 de junho de 2012

SURPREENDA-ME


Não perca seu sono

por causa de mim.

Não perca o sono.



Não sonhe tão alto.

Alguém pode ouvir

e espalhar para o mundo.



Não pule o muro

desses seus desejos

e fuja de beijos.



A grama cresce

e o mato corre

por cima de tudo.



Antes de eu chegar

mude tudo que está,

refaça suas frases.



Recorte seu ser,

surpreenda você.

Surpreenda a mim.



Diga uma frase louca

fale de coisas esquisitas,

não deixe nenhuma pista.



Corra sobre a grama,

sobre o mato.

Seja outra coisa,

seja outro fato.

 
IRENE MADEIRO

quinta-feira, 21 de junho de 2012

NÃO ÓBVIA


Eu não tenho mãos femininas

nem frases feitas

nem desejos óbvios.



Eu não tenho a calma comum

nem a frase certa

nem o desejo feito.



Eu não sei fazer o jogo corriqueiro

nem a malícia esperada

nem uma frase no ar.



Eu não tenho a sedução e o encanto

eu nem ao menos me espanto

com o que tu vais dizer.



Eu não sei se sou erro ou acerto

se isso em mim é um defeito

se eu devia ser mais clara...



Eu devia ser mais clara?...

Eu devia ser mais óbvia?...

Eu devia ser mais outra?...

 
IRENE MADEIRO

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A VERDADE É OUTRA

Tua boca cala
o teu lábio doce.

Teu olhar secreto

que não dissipou-se.



Um sonho tão sonho

que chega a doer no peito.

A realidade não existe

é apenas um defeito.



Tua presença paira

no ar em minha mente,

é uma mistura tão grande

que já não sei, de repente.



A verdade é estranha,

um paralelo talvez

entre o que é e não é,

entre o delírio e a lucidez.



Para acabar essa dúvida:

Tu és real ou não?

Não consigo achar resposta

nem mesmo no coração.



Só sei que a verdade é outra

e para isso não vejo cura.

Procurar o teu fantasma

é sempre a minha loucura.


IRENE MADEIRO

segunda-feira, 18 de junho de 2012

SE ME CONHECESSES


Se no teu rosto
meu gosto, meu gosto

passasse.

Se na tua boca

eu louca, tão louca

ficasse.

Tu não terias coragem

de deixar a minha imagem

miragem no mundo fugir.

Pois sou filha única

da lua com o sol,

do espinho e rouxinol,

do destino e do acaso.

Eu sou o atraso e o cedo,

o fim e o começo

de quem um dia me viu.

Mas como eu louca

na tua boca nunca fui,

apenas seda e rosa

onde tu buscavas luz...

Tu não saberás o segredo

do medo, tão medo

de me perder, me esquecer,

me prender...

Será mais leve a tua vida

sem minha ida,

minha partida,

minha estranheza.


IRENE MADEIRO

domingo, 17 de junho de 2012

LUA CHEIA

Tua alma,

tua calma

me transtorna o pensamento.



Eu tão lua,

eu tão louca,

eu tão loba aqui por dentro.

 

IRENE MADEIRO

sábado, 16 de junho de 2012

CASCATA


Vem descendo a serra

   por entre curvas e rochas,

     um fiapo fino de água,

       o rio, riacho

          de água doce

            e transparente.

              Vem doce e fria,

                 vem refrescante e pura,

                    pingando, chiando

                       barulho de água...

                          Rápido engrossa,

                            se empossa,

                               vem depressa,

                                   vem voando,

                                      despencando

                                          transformando

                                             o simples

                                                e calmo

                                                     em vário

                                                          e louco,

                                                               em pouco

                                                                    virando

                                                                        lagos e mar,

                                                                            salgado

                                                                               e forte

                                                                                     e sério.

IRENE MADEIRO

sábado, 9 de junho de 2012

O CHEIRO E O GOSTO

Vivo procurando a ata(fruta) ideal, aquela que tem o cheiro e o gosto da minha infância na fazenda do meu avô. Às vezes, acho que encontrei, ela tem o mesmo cheiro, mas o gosto não é igual e depois o cheiro também não é igual...
Quando eu tinha dois anos e morava na fazenda, lá também moravam alguns tios, então meus irmãos e primos subiam nos pés de ata, mas eu era muito pequena e só podia olhar. É uma lembrança muito clara, assim como todos tomando banho no açude, os maiores brincando de bandeirinha à luz da lua cheia, meu avô contando estórias no alpendre e todo mundo deitado ao redor para escutar ou correndo atrás de nós para nos dar "papinha". Quando ele morreu eu tinha 4 anos, e não houve mais fazenda...
Às vezes, penso que não existe essa ata ideal, que o que eu lembro é o gosto doce da minha infância...
Mas nunca vou desisir.